A agricultura contemporânea enfrenta desafios significativos relacionados à baixa eficiência de insumos e ao seu impacto ecotoxicológico. A nanotecnologia emerge como uma plataforma promissora para mitigar esses problemas, notavelmente através da engenharia de superfície de nanopartículas (NPs) (Xin et al., 2020). A funcionalização de superfície, uma técnica extensivamente validada em sistemas de liberação de fármacos, está sendo adaptada para o setor agrícola, permitindo o desenvolvimento de nanocarreadores com alta especificidade para alvos biológicos.
A funcionalização consiste na modificação da superfície de um nanocarreador, seja ele de matriz polimérica, lipídica, metálica ou inorgânica (como sílica), através de reações de conjugação química (covalente ou não-covalente). O objetivo é ancorar ligantes específicos, que podem incluir grupos funcionais simples, polímeros (ex: PEG, Quitosana) ou biomoléculas (Kaarunya et al., 2020). Esses ligantes atuam como vetores de direcionamento, modulando as interações físico-químicas entre a nanopartícula e o microambiente biológico. Isso permite o chamado “direcionamento ativo”, que promove a afinidade e o acúmulo seletivo do nanocarreador em alvos predefinidos, como a parede celular de um patógeno, a cutícula foliar ou membranas celulares específicas.
O direcionamento ativo de alta precisão é exemplificado pelo uso de ligantes de afinidade, como aptâmeros e peptídeos. Aptâmeros, oligonucletídeos de DNA ou RNA (ssDNA/ssRNA) gerados in vitro pelo processo SELEX (Systematic Evolution of Ligands by Exponential Enrichment), funcionam como “anticorpos químicos”. Eles podem ser desenhados para se ligar com afinidade e especificidade a alvos que vão desde moléculas pequenas (ex: micotoxinas) até receptores de superfície em patógenos (Yunhong., 2025). Similarmente, peptídeos de direcionamento, frequentemente identificados por phage display, podem reconhecer epítopos específicos em superfícies celulares. Um subgrupo notável, os peptídeos penetrantes de células (CPPs), é capaz de mediar a translocação de nanocarreadores através de barreiras biológicas formidáveis, como a parede celular vegetal e a membrana plasmática, facilitando a entrega intracelular de ativos (Preeti.,2024).
No contexto agrícola, essa engenharia de superfície otimiza a biodisponibilidade e a eficácia de ingredientes ativos encapsulados (Meena., 2025). Conceitualmente, uma nanopartícula lipídica funcionalizada com um peptídeo específico pode direcionar um fungicida preferencialmente para esporos fúngicos, enquanto uma nanopartícula polimérica pode ser projetada para aderir à rizosfera e liberar nutrientes em resposta a exsudatos radiculares. Esta abordagem de “entrega direcionada” (target delivery) aumenta a eficácia no alvo, ao mesmo tempo que mitiga perdas por volatilização, lixiviação, fotodegradação e interações não específicas com a matriz do solo.
Um aspecto avançado da funcionalização é o desenvolvimento de “sistemas de liberação inteligentes” (smart delivery systems), que são quimiorresponsivos a estímulos. A superfície do nanocarreador pode ser projetada para alterar sua conformação ou solubilidade em resposta a gatilhos ambientais específicos (Kaarunya et al., 2020). Estes podem ser estímulos endógenos, como variações de pH no apoplasto, potencial redox ou a presença de enzimas específicas (ex.: quitinases) liberadas por patógenos; ou estímulos exógenos, como luz ou temperatura. O resultado é uma liberação “sob demanda” (on-demand release) do ativo, sincronizada com a necessidade fisiológica da planta ou a presença do patógeno.
Adicionalmente, a funcionalização de superfície é uma estratégia fundamental para modular a biocompatibilidade e a fito/ecotoxicidade dos nanomateriais. O revestimento de NPs metálicas com polímeros biocompatíveis (ex: PEGilação ou revestimento com polissacarídeos) pode reduzir a toxicidade iônica, diminuir a aglomeração indesejada e controlar a interação da partícula com a microbiota do solo (Xin et al., 2020). A estabilidade coloidal e a biodegradabilidade do sistema são, portanto, diretamente influenciadas pela química de superfície.
A nanotecnologia aplicada à agricultura representa uma plataforma tecnológica sofisticada. A funcionalização de nanopartículas, em particular, permite uma interação controlada em nível molecular entre insumos e sistemas biológicos, estabelecendo um vetor para o desenvolvimento de agroquímicos de alta eficiência e baixo impacto ambiental.
Referências
Meena Yadav. Nanoparticle-facilitated targeted nutrient delivery in plants: Breakthroughs and mechanistic insights. Plant Nano Biology 12 (2025).
Kaarunya Sampathkumar, Kei Xian Tan, Say Chye Joachim Loo. Developing Nano-Delivery Systems for Agriculture and Food Applications with Nature-Derived Polymer. iScience. V. 23, 2020.
Preeti Patel, Kyle Benzle, Dehua Pei, Guo-Liang Wang. Cell-penetrating peptides for sustainable agriculture. Trends in Plant Science.Volume 29, Issue 10, 2024.
Yunhong Geng. Applications of aptamer-based electrochemical biosensors for the specific recognition of plant pathogenic fungi and mycotoxins. International Journal of Electrochemical Science. Volume 20, Issue 11. 2025.
Xin X, Judy JD, Sumerlin BB, He Z. (2020) Nano-enabled agriculture: from nanoparticles to smart nanodelivery systems. Environmental Chemistry 17, 413–425.